Já fazia uns três meses que ele não saía da cama, que não comia direito e nem falava nada. Mas tanto faz... Quando eu era criança, sempre que ele me via queria saber do meu coração, assim, toda vez que o visitava deitava bem pertinho dele, abraçada, só pra contar do meu coração.
Começava assim, "Vô, posso te contar do meu coração?", como eu disse ele não falava mais, mas piscava os olhos, como que assentindo. Então comecei...
-Engraçado, é só nesses nossos encontros que eu me lembro de pensar sobre meu coração. Cê sabe como é, no dia a dia tem tanta coisa acontecendo que nem lembro que ele bate. É tão natural, que esqueço. Mas bem, vamos ver... Se não me engano da última vez por aqui meu coração andava agitado, não porque minha vida estava cheia de emoções. Pelo contrário, ele andava agitado pela inércia em que tudo estava. Estranho, né? Eu estava tão preocupada que a inércia durasse pra sempre. Sou muito exagerada, bem que você sempre falou... Então, a inércia foi embora, como eu tenho certeza que você sabia que ela iria. A gente nunca sabe mesmo o que vêm depois da curva, né? Acho que mesmo que tenhamos mil dias iguaizinhos, sempre chega uma hora em que algo acontece e a vida recomeça dentro da gente. Me pergunto se a vida ainda recomeça dentro de você também, mesmo deitado aí, em cima da cama... Bom, deixa eu continuar... Apareceu alguém. Você ainda não conheceu ele, mas não deve demorar, prometo! Ele apareceu como qualquer pessoa que a gente vê andando pela rua, sem prestar muita atenção, sem se aproximar... Mas foi por pouco tempo, de repente ele se fez notar e quando eu fui ver estava ali, sem saídas. Fiquei morrendo de medo. Enterrei fundo meus cadarços no chão com medo de sair voando por aí, levada pelo amor de novo. Me agarrei em tudo que não gostava nele. E inventava a toda hora mais coisas pra não gostar. Hahahaha, coisa de maluca, né? É. Eu sei que você deve estar achando... Mas então, não durou muito tempo meu "controle", ele insistiu em ir ficando, mesmo se eu falasse que ia pintar o cabelo de verde, e foi rindo de mim, como um amigo de muito tempo. Aí não teve jeito, saí pelos ares e no céu era tudo lindo, tudo ele. E quando quis ter medo de novo, achando que ia cair sem paraquedas, sem asas, ele me deu a mão. Falou que caía comigo. Desde então a gente tá junto. E dessa vez eu sinto meu coração iluminado, mas não por luzinhas de Natal, que piscam e apagam... Agora eu sinto o Sol dentro de mim e não tenho medo do calor. É assim, vô... É assim que tá meu coração...
Continuei deitada com ele em silêncio, seus olhos já fechados e a respiração fraca. Quis imaginar que da mesma forma que me aconteceu, como mágica, a vida dele começaria novamente e eu escutaria ele dizendo alguma coisa. Só que ele permaneceu lá, distante... Perto de mim, mas perdido nele mesmo.
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